terça-feira, 17 de maio de 2011

Ser o que é

As rosas não têm neuroses,

Os gatinhos brincam e arranham.

A pedra não tem dúvidas.

A faca corta, o relógio marca,
a bala mata.

João Cabral se foi. Há muito.
Há muito em João Cabral.

Coisas úteis, eternas ideias.

E quanto a nós,
homens ordinários, comuns,
em que nos fiaremos?

Matar, talvez.

Fugaz ilusão de vitória,
sobre a inútil morte.

Morrer, talvez.

Entender o que se foi,
quando nada mais se é.

Matar, ou morrer,
me trariam de volta à vida?

As vidas havidas, ávidas,
matar ou morrer me trariam?
Há vidas?

Jogos de palavras não vencem o nojo.

Uma bala cabeça a dentro,
explodindo neurônios,
elucidaria alguns mistérios.

Os gatos não pensam em balas,
nem sete, nem uma vez,
e são gatos.

Felinos. Ferinos. Gatos.

Então, é tudo questão de sorte,
nascer gato, rosa, pedra,
ideia de Melo Neto,

Ou morrer inútil homem,
filho e neto das ideias mortas?

A pedra não tem dúvidas.

A rosa parece bela.
A rosa perece bela.

A bala é.

Abalo, inútil, me abalo,
me esforço.

Pergunto, procuro, me torço, me esforço.

Faço as coisas úteis dos homens:
leio, escrevo, penso, escuto e falo.

E falho.

Tudo me aborrece.

domingo, 8 de maio de 2011

Foco

Há que se manter o foco.

Se o foco é bruma,
imagem falha,
a mira vira miragem.

Se o alvo é oco,
o foco é fosco,
é foco-fátuo.

Há que se afinar o foco.

Sintaxes alquebradas,
sinapses aleijadas,
caleidosfoco.

Reter, deter, derreter o hiper-foco.

A autoestrada das sensações,
o alto-falho das tentações,
as incertezas.

A certeza
perene
da perda
do melhor
do agora.

Há que se manter o foco em riste.

Fugir, sempre, do refulgir caótico
da infinita sala de espelhos
do parque das perversões.

Há que se manter o foco.
Há que se manter.
O foco.