terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A cordinha do bonde

Um palpitar cardíaco exato a vibrar músculos em uma cadência impar. Clichê sem regras. Colo, solo, asas, casa e mundo. Um afeto imenso nas horas de ódio. Ouvir, silente, pensamentos por acidente escapados em palavras.

Puxar em desespero a cordinha de parada quando alguém saltou do bonde de sua estória. Isto, meu senhor, é o amor.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Doces

aqui se faz
aqui se afaga

confeito afetos
te faço doces

um de leite, um sonho
um bombom bom bocado

um a cada mês
nosso

amanheço
calado colado

ao lado do teu lado
amado

feliz
       simples
                   assim

Para Dani
  

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Fatídico

o mundo
              treme
almas
         vestidas
                      de carne
                                    temem
medos
           procriam
                         ódios

o mal mal disfarçado em cada rosto
                                                    revela o gosto
do desgosto
                 por sermos de carne
                                                por temermos
                            por odiarmos
                                                por tremermos
   

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Cupido

Acaso um cupido desvairado
cravasse sete bilhões de setas
em sete bilhões de corações desavisados
de cada humano ser aqui vivente
deste pequeno grande mundo
bela bola d'água Terra
em que mais se ocupariam
as línguas lúgubres
as falas fel
os verbos vil
ao verificarem consternados
o absoluto obsoletismo
do medo matinal
do vazio vespertino
da náusea noturnal?
  

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Inteiro

Sem porém ou talvez,
nem ou ou se,
sem antes ontem,
daqui a pouco, não,
amanhã, muito menos,
sem menos nem mais,
sem tirar, nem dor,
nem tanto ao mar,
nem outras terras,
sem reticências...
a precisão de dois pontos:

eu você agora
e ponto.


                          Para Daniela
  

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Voyeur

simbiótico
enxergo sua ótica

imito seus dentes
faço suas minhas palavras

creio nas virtudes alheias
vivo em terceira pessoa

sofro as misérias dele
sinto os desejos dela

morro em suas veias
amniótico

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Se eu fosse francês

Talvez, se eu fosse francês
e chamasse o mar de a mar
amaria não as calmarias
mas sim as tormentas
de seus olhos
profundos
negros

cor de oceano.

domingo, 8 de julho de 2012

Perspectivas

a montanha flutuou graciosa
e foi descansar
nas garras do ser alado

o menino esperado
ao nascer
deu a luz à sua mãe

o mundo amanheceu
e reconfortou
o sol

sua pele cedeu carícias
a meus dedos
às minhas mãos

domingo, 24 de junho de 2012

Elos

Pesado elo
ai de quem cair no canal do mangue
ai de quem!

a alma à lama

tons de cinza
nenhum repouso
para os olhos

chuvas de chumbo

Virações
a moça derrete
em poça

a poça resseca
em roça

a roça verdeja
em moça

Ritos
ai de quem cair na poça
e não pensar na moça
e não roçar os dedos
nos cabelos da chuva
nas sedas

ai daquele que não votar carícias
às rédeas dos cavalos
aos freios-de-mão

os desejos têm seus ritos
estritos passos

Ciclos
no sangue preto
do canal do mangue
esbarravam-se às cegas

as moscas de chumbo
dos desejos

domingo, 13 de maio de 2012

Eu, meu

hoje, esvaziado de sentidos
pretendia jogar ao mundo
palavras do meu eu mais profundo

que me preenchessem
que me esvaziassem da angústia

porém, admoestado por um poeta amigo
percebi o perigo
de transformar meus versos
em um muro íntimo de lamentações

eu, meu, eu, meu

hoje, em resposta a outro artista
este um tanto sem tato
não vesti os trapos
de um pobre coitadinho

com trajes de profeta
e olhos de sábio poeta
quis revelar os outros
quis reler as vidas

falho

mais de poema e meio andado
me traio

auto falo
falo ereto

amo solitário em praça púbica
meus ínfimos dissabores
sonso egoísta

eu, meu, eu, meu

me perdoem bardo solidário
e meu irmão inquieto

nada acrescento, hoje
ao saber ou fazer dos homens

escrevo traças

não entrego
um pingo de alívio
às melancolias alheias

continuo poetando em mim

eu, meu, eu, meu

sábado, 28 de abril de 2012

Script original

e há aquela hora em que
qualquer papel
não mais se lhe ajusta

para a justa medida
não se encontra régua

para as dores de um parto
em que não me acho
nunca se renderá trégua

não mais me reconheço
nisto que por enquanto é o fim
ou em esquecido começo

?o que é meu, ?a quem me entrego
?a que me devo, ?ao que renego

intrincadas questões
respostas fugidias

responderei por mim, então

e com um isqueiro, um maçarico
duas pedras ou um fósforo
lanço chamas

voam aos ares
as letras míudas
de um contrato esmaecido

palavras de ordem flutuam
fumegantes balões desorientados

frases defeitas
desfeitas em cinzas

e resta o nada
e agora posso

conjugar novos verbos

reverberar outros sentidos
com palavras órfãs

recriar o alfa e o resto

e há aquela hora
em que o único papel
em que se lhe ajusta

é o feito das fibras
retiradas da própria pele
com pautas arrancadas dos músculos

e há aquela hora, enfim
em que se nega
a conhecer Eva
a mordiscar a polpa da fruta fácil

e me despeço
livre de meus pecados
do script original

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Triste

hoje estou triste
irremediavelmente triste

amargo
indocilmente amargo

e não há sorriso aberto
palavra de um bom amigo

ou natureza que se desdobre
em luas cheias ou céus de estrelas

que me dissolva essa tristeza

hoje estou descarregado do amor

anseia meu coração,
meu corpo inteiro,
criar couraças

carapaças, catapultas, carrancas
que me arranquem

qualquer espécie de bem-querer
ou de paixão

pois em instante despercebido
nos aprisionam

em redemoinhos de contentamento
em espirais de prazer

para, após, sem prévio aviso
nos arremessar com truculência
na áspera parede da realidade

hoje, todas as mulheres que amei
e todas as que me amaram
se deitam com seus homens

no exato instante
em que invento

esta ode ao desarmor
à desalegria

hoje estou triste
imponderavelmente triste

e a esperança, se há
é quando digo hoje
é quando escrevo estou

o depois, o ser
são os mistérios

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Sextas-feiras tantas

Sempre busquei a salvação em mim.
Nunca acreditei nos milagres dos outros.

Mas às vezes me distraio
e me permito receber as bençãos
de um copo de cerveja
de um corpo de mulher.

Juízo

Todas as perdas
todos os danos
todos os males
todos enganos
me atribuo culpa.

Mas que árbitro é este
que tenho-sou?
Abonando o mundo,
me sentenciando.

Já não paguei as minhas dúvidas,
não quitei as minhas dívidas,
não dividi o meu corpo
em zonas de dores?

Que venha a bonança,
inventadas paixões,
pequenas alegrias.

Minha alma me oferta perdão.

Que o severo juízo
deste juiz ancestral
me conceda benesses.

Um habeas-cor
um habeas-paz
um novo amor.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Tarja Preta

O espanto de orelha a orelha.
Medicamento controlado.
O pranto:
de centelha à queda-d'água,
de pavio a afogamento,
um segundo.
Vendido com retenção da receita.
Os olhos espessos
medem os medos do mundo.
Os poros exalam ódio,
os dedos se curvam inglórios.
Persistindo os sintomas, procure um médico.
Bastaria a glória
de estar cem por certo vivo.
Esta substância pode causar dependência.
  

Sexo

Um velho moço,
de certa idade avançada,
avançando seus olhos às moças,
bundas, pernas e coxas,
de vez em quando, se indaga:
meu deus, para que tanta carne?”.

Não tem pudores em excesso,
lascividades, tampouco.

Mas eis que este moço velho,
de incerta idade indevida,
enfim descobre:

o sexo não é mero anexo
de um corpo incompreendido,
ainda na lida, ainda com vida.

sábado, 10 de março de 2012

?

Busco a aptidão da palavra
o que nela aprende
o que nela estraga

a palavra livre
a palavra escrava

a que me prende
e que me traga
a que me eleva
e me destrava

a palavra mãe
e a amarga

a que me define
a que me salva

preciso descobrir
as palavras que me esmagam
para, conhecendo-as, despalavrá-las


em obras