segunda-feira, 8 de abril de 2013

Um nada

um nada vem me conduzindo
de um zumbido a outro

regateio vida em destroços
assobio e atraio pássaros
presas fáceis

com penas entre os dentes
e virtudes ponderadas
intento voos

um nada vem me conduzindo
em discurso incerto

arestas de reconhecimento
réstias de insights
esquecidos signos

um nada vem me reduzindo
a pequenos poros de contentamento

mudo eu ou falo o nada
escolha não há
tudo se espera

e quando puseres os grãos a cozer
convida-me sem aviso
a sorver teu molho

colarei às tuas asas minhas penas
sugarei poro por poro
dente al dente

escorrerei do meu nada
aos seus algos rítmicos
alvos míticos

e aquela falta espessa
rara trava tranca feita
desnudar-se-á ao som dos arrepios

testemunhos vívidos de nossos voos

quarta-feira, 27 de março de 2013

Ocasos discasos

disse ao acaso
ocasos e discasos
sem tatos, mal-tratos

redito, reverbo, rejuro:
a ti o afago, não a ferida
a carícia, nunca castigo
o ombro e o peito ninhos
gestos daninhos, nunca

preciso te amar em pessoa primeira
em única e inequívoca via

digo aos acasos:
ao infinito, teu sorriso em mim
      

quarta-feira, 20 de março de 2013

Palavras me esqueçam

disléxico, desléxico
o sou sinto sei desejo

descrente, desnomeio
ser sentir saber desejar
   

sexta-feira, 15 de março de 2013

O dom das Fúrias

encosto em incertezas
esbarro em perguntas
quase adivinho
um quadrado em meu tórax
impede a circulação
das palavras que me desejam
dos sentidos que me esperam
de uma angústia sã
há em mim um vazio sólido
ao menos meu maxilar lateja
e o sangue desce ao sexo
e latejo
o uivo e o descuido estão ali
logo após as perguntas
e hão de palavrificar
e hão de sujar meu corpo
herdarão o dom das fúrias
feras sábias que ao morrer
sublimam férias
mas para que eu me canse
     

Nem todas as quintas-feiras nos abraçam.

      

quinta-feira, 14 de março de 2013

Nós

quiçá após dez trabalhos cumpridos
ainda onze nós serrarmos
a doze nós seguirmos
desfiaremos os laços de nós
  

terça-feira, 5 de março de 2013

Ninho

aninho-me em sua maciez
quase me esqueço
quase reparo
adormeço em seu hálito
quase me lembro
quase percebo
acordo pescoço
em meus braços dedos
de seu colo nada
febril tonteio
tateio
reencontro seus pelos
seguros

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Daniela

de flor em flor, me reflorestou
de cor em cor, me redecorou

desmaios nos matos de maio
reciclos na vida de junho
amor armou

aonde for, eu fico
aonde flor, eu bico
a cor de amor

se vai vario
se vem sorrio
acordo maior

de um inverno a sempre
me armarraflou
  

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Pre-oculpado

lembranças futuras me assombram
pelejo pesadelos

mastigo dentes
seco saliva

almoço esôfago
janto estômago

cerco a morte, o torpe, o corte
perco o norte, a sorte, a corte
   

Pre-oculpado

lembranças futuras me assombram
pelejo pesadelos

mastigo dentes
seco saliva

almoço esôfago
janto estômago

cerco a morte, o torpe, o corte
perco o norte, a sorte, a corte

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Recomeço

o fim de uma era, ela
um recomeço
um arremesso
ao esquecido viço

vistosa hera
frondes fartas
onde escondo meus an-
seios

esfinge bela
misteriosa vinha
veio, vimos, e agora
ela é minha

Confessório

Um ruído de fundo
me afunda

uma interferência
uma imensa reticência
em minha frágeis alegrias

como se ainda sobrassem detritos
nos restritos espaços de meus dentes
da maçã original

como se meus delitos me alçassem
ao lugar vago na cruz
do criminoso perdoado

um nó que apertasse a alma
um pó que descolorisse a minha visão

como se o perdão não houvesse
ou mesmo a salvação no amor

como se ao sorriso de minha escolhida
não fosse permitido enxugar o sangue
de minhas mágoas

há remédios?

sábado, 5 de janeiro de 2013

Papel de guardanapo

em momentos alguns entardeço
há dias de meus sonhos dormirem
me inverno em pleno verão
anoiteço

desdesenho
desdesejo

em momentos alguns preciso
encontrar milagres em papéis de guardanapo

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A cordinha do bonde

Um palpitar cardíaco exato a vibrar músculos em uma cadência impar. Clichê sem regras. Colo, solo, asas, casa e mundo. Um afeto imenso nas horas de ódio. Ouvir, silente, pensamentos por acidente escapados em palavras.

Puxar em desespero a cordinha de parada quando alguém saltou do bonde de sua estória. Isto, meu senhor, é o amor.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Doces

aqui se faz
aqui se afaga

confeito afetos
te faço doces

um de leite, um sonho
um bombom bom bocado

um a cada mês
nosso

amanheço
calado colado

ao lado do teu lado
amado

feliz
       simples
                   assim

Para Dani
  

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Fatídico

o mundo
              treme
almas
         vestidas
                      de carne
                                    temem
medos
           procriam
                         ódios

o mal mal disfarçado em cada rosto
                                                    revela o gosto
do desgosto
                 por sermos de carne
                                                por temermos
                            por odiarmos
                                                por tremermos
   

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Cupido

Acaso um cupido desvairado
cravasse sete bilhões de setas
em sete bilhões de corações desavisados
de cada humano ser aqui vivente
deste pequeno grande mundo
bela bola d'água Terra
em que mais se ocupariam
as línguas lúgubres
as falas fel
os verbos vil
ao verificarem consternados
o absoluto obsoletismo
do medo matinal
do vazio vespertino
da náusea noturnal?
  

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Inteiro

Sem porém ou talvez,
nem ou ou se,
sem antes ontem,
daqui a pouco, não,
amanhã, muito menos,
sem menos nem mais,
sem tirar, nem dor,
nem tanto ao mar,
nem outras terras,
sem reticências...
a precisão de dois pontos:

eu você agora
e ponto.


                          Para Daniela
  

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Voyeur

simbiótico
enxergo sua ótica

imito seus dentes
faço suas minhas palavras

creio nas virtudes alheias
vivo em terceira pessoa

sofro as misérias dele
sinto os desejos dela

morro em suas veias
amniótico

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Se eu fosse francês

Talvez, se eu fosse francês
e chamasse o mar de a mar
amaria não as calmarias
mas sim as tormentas
de seus olhos
profundos
negros

cor de oceano.

domingo, 8 de julho de 2012

Perspectivas

a montanha flutuou graciosa
e foi descansar
nas garras do ser alado

o menino esperado
ao nascer
deu a luz à sua mãe

o mundo amanheceu
e reconfortou
o sol

sua pele cedeu carícias
a meus dedos
às minhas mãos

domingo, 24 de junho de 2012

Elos

Pesado elo
ai de quem cair no canal do mangue
ai de quem!

a alma à lama

tons de cinza
nenhum repouso
para os olhos

chuvas de chumbo

Virações
a moça derrete
em poça

a poça resseca
em roça

a roça verdeja
em moça

Ritos
ai de quem cair na poça
e não pensar na moça
e não roçar os dedos
nos cabelos da chuva
nas sedas

ai daquele que não votar carícias
às rédeas dos cavalos
aos freios-de-mão

os desejos têm seus ritos
estritos passos

Ciclos
no sangue preto
do canal do mangue
esbarravam-se às cegas

as moscas de chumbo
dos desejos

domingo, 13 de maio de 2012

Eu, meu

hoje, esvaziado de sentidos
pretendia jogar ao mundo
palavras do meu eu mais profundo

que me preenchessem
que me esvaziassem da angústia

porém, admoestado por um poeta amigo
percebi o perigo
de transformar meus versos
em um muro íntimo de lamentações

eu, meu, eu, meu

hoje, em resposta a outro artista
este um tanto sem tato
não vesti os trapos
de um pobre coitadinho

com trajes de profeta
e olhos de sábio poeta
quis revelar os outros
quis reler as vidas

falho

mais de poema e meio andado
me traio

auto falo
falo ereto

amo solitário em praça púbica
meus ínfimos dissabores
sonso egoísta

eu, meu, eu, meu

me perdoem bardo solidário
e meu irmão inquieto

nada acrescento, hoje
ao saber ou fazer dos homens

escrevo traças

não entrego
um pingo de alívio
às melancolias alheias

continuo poetando em mim

eu, meu, eu, meu